O sentido do pertencer é resultado do processo do autoconhecimento como também das respostas referentes ao significado do existir. Contudo, essas conquistas inegavelmente passam pela superação e substituição de paradigmas, crenças, valores, comportamentos e atitudes.
Ao despertar da letargia milenar resultante da submissão a dogmas impostos como exercício de poder, a humanidade embarca em uma fervilhante jornada de buscas de novos significados. O entusiasmo juvenil na área da ciência e o seu caráter questionador nos remete às armadilhas de uma concepção analítica, reducionista e mecanicista da vida, apesar das convicções profundamente espiritualistas dos seus principais proponentes.
O sentido do pertencer: a ruptura cartesiana
Neste parágrafo vou relembrar algumas premissas da proposta cartesiana:
- Em primeiro lugar, o reducionismo, o qual representa a redução das estruturas complexas em suas partes constituintes, na busca da compreensão de todos os seus aspectos;
- Em segundo lugar, a certeza matemática que pretende a explicação desses aspectos em linguagem matemática;
- Em terceiro lugar, o mecanicismo que representa a visão de que a natureza funciona de acordo com leis mecânicas;
- Além disso, o dualismo representado pela separação da mente e do corpo.
Essas premissas levaram à convicção de que a experimentação científica está destituída de aspectos morais e éticos.
Essa nova convicção representou uma ruptura em relação à visão de mundo orgânica integrada à natureza. Uma visão de mundo, cuja dinâmica estava alicerçada em comunidades.
Essa convicção sancionou um comportamento de apropriação e exploração dos recursos da natureza. Perdeu-se o sentido do pertencer.
As novas ideias no campo da ciência, da filosofia e da religião, constituíram a base para a Revolução Industrial.
A Revolução Industrial propiciou um novo patamar de inovação, conquistas tecnológicas e produtividade. Como resultados, surgem, a produção em massa e a concepção de mercado de consumo, alimentados pelo consumismo desenfreado.
Os impactos ambientais e existenciais da ruptura cartesiana
A certeza matemática e o comportamento de apropriação e exploração dos recursos da natureza, alimentam a ilusão de crescimento contínuo em um mundo limitado.
Estamos percebendo, a duras penas, que a Terra é finita.
Estamos em um rápido processo de esgotamento de seus recursos e da dilaceração das teias de sustentação aos serviços que ela oferece.
O resultado é a deterioração do meio ambiente, medida:
- pela elevação contínua dos índices de poluição e seu impacto na saúde;
- pela crescente desertificação e a perda assustadora, anual, do solo fértil;
- pela elevação da temperatura;
- pelas mudanças dos padrões climáticos;
- Extinção de espécies, no que está sendo considerada a sexta extinção em massa da história do planeta;
- pelas dificuldades crescentes ao acesso à água potável e,
- insegurança alimentar.
Ao mesmo tempo, observa-se o desencanto e o cansaço de promessas não cumpridas em termos de bem estar físico e espiritual, pela mera acumulação de bens materiais.
Desconectado de si mesmo, o ser perde o caminho do autoconhecimento e do sentido do pertencer.
O vazio existencial resultante e a solidão aterradora, podem ser medidos pelo aumento das ocorrências de depressão, suicídio, consumo de drogas e aumento da violência, entre outros.
O ônus dessa ilusão já se faz sentir intensamente e representará desafios imensos para as gerações futuras.
Correção de rumos – recuperando o sentido do pertencer
Na natureza, os indivíduos nascem, crescem, atingem a idade juvenil, adulta, envelhecem, e, após darem a sua contribuição à comunidade, cedem espaço aos que continuarão a sua jornada evolutiva. O mesmo aconteceu com a ciência. Os seus arroubos juvenis que nos levaram a outro patamar civilizatório, revelaram uma série de equívocos que estão sendo corrigidos.
Ao contrário do que passamos a acreditar nos últimos três ou quatro séculos, fazemos parte dos ciclos e fluxos da natureza e deles dependemos para a nossa existência.
A ciência hoje, nos mostra o trabalho paciente de bilhões de anos dos microrganismos, na construção das bases para a vida em estágios mais complexos.
Destrói a ilusão de que a natureza pode ser reduzida em suas partes constituintes para a descoberta das suas qualidades. As qualidades são emergentes sistêmicos de um emaranhado de relações que constituem a teia da vida.
Nos mostra uma maravilhosa interconexão e interdependência entre o sol, o ar, as rochas, as águas, as florestas, os animais e os hominais.
Ensina-nos que:
- as diferenças entre os indivíduos são cuidadosamente consideradas em favor do ecossistema. O sucesso do indivíduo e da comunidade são interdependentes;
- a natureza não acumula resíduos;
- o sol é a sua energia primordial, e, sumamente fascinante, e
- a cooperação para a coevolução é a norma suprema.
Conforme Fritjof Capra faz questão de lembrar em seu livro “A Visão Sistêmica da Vida”, nas palavras memoráveis de Margulis e Sagan (1986, p. 15): “A vida não toma posse do globo pelo combate, mas pelo trabalho em rede”.
Pertencemos a três comunidades
O ser humano surge e está visceralmente inserido na natureza.
As lições presentes na natureza devem ser aprendidas. Precisamos realizar profunda reflexão sobre como o conjunto das leis físicas, químicas e biológicas, norteiam o desenvolvimento da vida na fase da pré-consciência.
E, após a reflexão acima, é de suma importância considerar de forma humilde, consciente e responsável, como estender o biomimetismo para o campo da ética e da moral.
Esse o caminho para que o ser humano:
- Volte a se reconectar consigo mesmo, com a sua essência;
- Volte a se sentir parte integrante do Todo,
- Redescubra os profundos significados do existir;
- Recupere a dignidade perdida através do desenvolvimento das suas potencialidades e do sentido de utilidade para a coletividade.
- Recupere enfim, o sentido do pertencer.
Entretanto, o aprofundamento desse tema será objeto de outros artigos.
Como nos lembra Fritjof Capra em seu “A Visão Sistêmica da Vida”, pertencemos a duas comunidades: a biosfera e a humana. E, acrescento, para aqueles que acreditam, uma terceira: a espiritual.
Você consegue perceber o impacto dessas reflexões no seu papel de líder e de tomador de decisões? E o impacto nas instituições e empresas de forma geral? No governo e nas coletividades? O fato é que líderes e empresas com fortes reminiscências cartesianas em sua cultura, estão com a sua carreira e perenidade sob risco.