Unicidade cósmica e por conseguinte, do nosso existir, impulsiona o ser humano na busca de forma insofreável, no caminho para a aproximação sucessiva da verdade. Desde a mais remota antiguidade, essa inquietação ínsita na alma humana, mobilizou numerosos homens e mulheres na Ciência, na Filosofia e na Religião, que dedicaram e dedicam as suas vidas visando dar a sua contribuição à humanidade para os caminhos a seguir.
Entretanto, seja por questão de método e ferramentas utilizadas (investigação empírica, razão e lógica e revelação), seja pelos resultados obtidos, esses ramos do conhecimento humano caminharam de forma predominantemente paralela.

Unicidade e a divergência dualismo x monismo

Ao longo do tempo, duas grandes concepções permeiam os três ramos do conhecimento, aprofundando o distanciamento entre eles: o dualismo e o monismo. Na verdade, cada uma dessas concepções apresenta subdivisões, mas a característica principal de cada uma delas é:

  1. Dualismo: defende a separação entre mente (e consciência) e corpo.
  2. Monismo: defende a unidade da realidade como um todo ou a existência de um único tipo de substância ontológica, como a identidade entre mente e corpo por oposição ao dualismo ou ao pluralismo, à afirmação de realidades separadas. Há vários tipos de monismo, entretanto ficarei com os sugeridos por Amit Goswami em seu “O Universo Autoconsciente” (2007) pág. 181:
    • Monismo materialista: entende que o corpo é de importância fundamental e que mente e consciência são apenas epifenômenos do mesmo.
    • Monismo idealista: defende o primado da consciência, sendo mente e corpo epifenômenos da consciência.

Dualismo: fundamento para a revolução científica e industrial

O dualismo constitui o alicerce conceptual que propiciou a Revolução Científica e Industrial e moldou a nossa civilização atual. A contribuição de Rene Descartes e a assombrosa síntese elaborada por Isaac Newton, continuam adequadas para a análise do mundo em partes existentes separadamente (ou seja, partículas ou elementos de campo), mas já não constitui a cosmovisão resultante da teoria da relatividade e da física quântica.

Unicidade e Monismo: a emersão de um novo paradigma

No afã de encontrar o último elemento constituinte da matéria, a ciência descobriu atônita, que ele não existe, como bem explica Fritjof Capra:

  “Partículas subatômicas, não são “coisas”, são, em vez disso, interconexões entre coisas, e estas, por sua vez, são interconexões com outras coisas, e assim por diante. Na teoria quântica, nunca terminamos com quaisquer “coisas”, mas sempre lidamos com interconexões. É dessa maneira que a nova física revela a unicidade do universo. Ela mostra que não podemos decompor o mundo em suas menores unidades, que sejam independentemente existentes. À medida que penetramos na matéria, não percebemos nenhum bloco de construção isolado, mas, em vez disso, uma complexa teia de relações entre as várias partes de um todo unificado. ”[1]  

Ludwig von Bertalanffy, biólogo austríaco, “criticou a visão de que o mundo é dividido em diferentes áreas, como física, química, biologia, psicologia, etc. Ao contrário, sugeria que se deve estudar sistemas globalmente, de forma a envolver todas as suas interdependências, pois cada um dos elementos, ao serem reunidos para constituir uma unidade funcional maior, desenvolvem qualidades que não se encontram em seus componentes isolados[2]. A Visão Sistêmica da Vida, mudou para sempre a forma como os estudos da vida vinham sendo desenvolvidos desde Darwin e Wallace.

Fica para trás, definitivamente, a abordagem analítica, reducionista, mecanicista e positivista como ferramenta de estudo e compreensão do universo e da vida.

Unicidade: O Universo é um todo indivisível

O universo constitui um todo, um imenso organismo. Pulsa vibrante e uma energia criadora perpassa todos os seus elementos constituintes. 

Em seu instigante livro “A Totalidade e a Ordem Implicada”, David Bohm nos adverte:

“…a forma de o homem pensar na totalidade, ou seja, a sua visão geral do mundo é crucial para a ordem geral da própria mente humana. Se ele pensa na totalidade como sendo constituída de fragmentos independentes, é assim que sua mente irá operar, mas, se ele puder incluir tudo coerente e harmoniosamente na totalidade geral que é indivisa, inseparável e sem fronteiras (pois cada fronteira é uma divisão ou uma ruptura), a sua mente vai se movimentar de forma similar e, com isso, fluirá uma ação ordenada dentro do todo.”[3]   

A física quântica que constatou a unicidade do universo, se deparou perplexa, com outra descoberta. A de que algo emerge para a dimensão espaço temporal vindo não se sabe de onde. Deu-se a esse fenômeno o nome de não-localidade em contraste com o de localidade que identifica a dimensão espaço-temporal (nossa velha conhecida?). Estranhamente, esse algo emerge com uma imensa capacidade de criar e organizar, e, para nosso espanto tem poder de lei. É o que Bohm denomina de A Ordem Implicada.

A ciência se aproxima velozmente, das contribuições que nos foram legadas pelas tradições religiosas de todos os tempos.

A conquista da consciência

Aos poucos constatou-se que o empuxo evolutivo (v. Artigo Sociedade – Caminhos que a natureza aponta – em edição), desde a prébiótica vai aos poucos engendrando as condições necessárias para o surgimento da vida.

Após as conquistas das moléculas orgânicas, surgem os organismos monocelulares, as células eucarióticas, reino vegetal e o reino animal.

O psiquismo incipiente presente nos estágios anteriores segue em trajetória de complexidade crescente até a conquista da consciência já no estágio hominal.

E o processo evolutivo segue, agora em um estágio mais sutil: o da consciência. Lembremo-nos da constatação de que nos estágios anteriores, tudo está interligado e também interdependente, constituindo o que Capra denominou a “Teia da Vida”. Foi sob essas condições que a vida evoluiu até a conquista da consciência.

Próximos estágios evolutivos: em direção à unicidade

A pergunta é: Qual a direção a ser imprimida pelo empuxo evolutivo? Teilhard de Chardin em seu livro extraordinário “O Fenômeno Humano”, nos remete às “esferas” sucessivamente formadas ao longo do processo evolutivo da Terra. Cita a formação inicial da “…Barisfera, metálica e central, – rodeada por sua Litosfera rochosa, à qual por sua vez, se sobrepõem as camadas fluídas da Hidrosfera e da Atmosfera. A essas quatro superfícies encaixadas entre si, …sobrepõe-se a membrana viva formada pelo feltro vegetal e animal do Globo: A Biosfera[4].

Na leitura de Chardin, o surgimento da consciência nos fins do Terciário, leva à formação de uma “camada pensante” em expansão permanente desde o seu início constituindo fora e acima da Biosfera, uma Noosfera. Temos então em sequência: a Geogênese constituindo a base para a Biogênese, a qual atingindo o estágio da consciência gera a Psicogênese (estágio hominal) até a Noogênese, etapa que está sendo urdida pelos tecidos da vida.   

Entretanto, constatada a unicidade do universo, é de se imaginar em qual direção nos aponta a evolução. Os abismos do inconcebível atordoam a mente e nos impressiona a potência de concepção de Teilhard de Chardin ao afirmar que possivelmente a Noogênese em gestação na Terra poderá em algum momento entrar em contato com outras Noogêneses gestadas ou em gestação em outros recantos do universo, formando o que ele denominou de Cosmogênese.

A partir desse estágio, a consciência adentrará em dimensões supra-humanas, descritas de formas as mais diferenciadas pelas diversas tradições religiosas.

A necessidade do ponto Ômega. Ponto culminante da unicidade

É importante aqui ater-se ao fato de que quem está fazendo essa afirmação é o geólogo e paleontólogo. Mas, o sacerdote que foi Chardin conclui de forma magistral que esse processo de o universo se tornar consciente de si mesmo, não prescinde da existência de um ponto Ômega o qual imanente no universo, permanece em sua transcendência gerando e sustentando todas as condições para o alcance do ponto culminante que conseguimos conceber que é a Cosmogênese, talvez o último patamar da unicidade.

Não é essa a proposta de David Bohm em seu “A Totalidade e a Ordem Implicada” já mencionado? Também não é a conclusão a que chegou Amit Goswami em seu “O Universo Autoconsciente”?

O que a física quântica, a geologia e a paleontologia nos revelaram pelo rigor da ciência, Pietro Ubaldi via intuição, também já nos havia feito revelações semelhantes em seu “A Grande Síntese”. As suas revelações sobre a equação da substância, o conceito das unidades coletivas e do Sistema e Anti-Sistema, encontram ressonâncias perfeitas com as descobertas científicas.

As contribuições nas áreas da psicologia e da neurociência

É importante registrar ainda, a contribuição na área da psicologia. Estou me referindo à psicologia transpessoal que vem sendo denominada de a quarta força da psicologia, e que tem em Abraham Maslow o seu fundador.

A busca da unicidade na psicologia

A psicologia transpessoal adota uma abordagem integrativa transpessoal e caracteriza-se como uma forma de integrar corpo, mente e espírito no qual cada indivíduo possui em si conteúdos necessários para que possa ser integrado para experienciar a unidade além do ego. Desta forma, mais uma vez, é superada a separação mente-corpo.

A neurociência supera o dualismo em busca da unicidade do ser

Também a neurociência vem confirmando de forma cada vez mais enfática, o que já era há muito conhecido: padrões de pensamento criam novas conexões neuronais, e, afetam diretamente comportamentos e hábitos do indivíduo, confirmando assim, o que nos vem sendo afirmado em diversas das tradições religiosas.   

Eu e Pai somos um: a conquista da unicidade

Com isso, observamos a confluência das três áreas do conhecimento humano a responder aos mais profundos anseios da alma humana. Ciência, filosofia e religião, finalmente encontram pontos de sustentação para a convergência dos seus esforços em buscar o sentido do existir.

Talvez estejamos nos aproximando, finalmente, da compreensão profunda d’Aquele que dividiu a história em antes e depois d’Ele, e, cujo único título que aceitou foi o de Mestre[5], ao afirmar que: “Eu e o Pai somos um”.[6] Embora jamais tenha afirmado que Ele era o Pai, Jesus nos mostrou a destinação das criaturas em sua longa peregrinação ao vencer os determinismos das leis físicas, químicas e morais, despertando a consciência, superando o fragmentarismo egóico e religando-se conosco mesmo, com o outro e com o Todo. Teremos alcançado a unicidade do existir e nos transformado em cocriadores em planos cada vez mais elevados.

Novas percepções estão emergindo. Novas concepções éticas e morais estão substituindo as antigas, alicerçadas no ego humano. Mas esse será o tema do artigo “Unicidade – Impactos na governança e modelos econômicos.”


[1] Capra, Fritjof. Visão Sistêmica da Vida. Edit. Cultrix-Amana Key, 2014, p. 104.

[2] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ludwig_von_Bertalanffy

[3] Bohm, David. A Totalidade e a Ordem Implicada. Edit. Madras, São Paulo, 2008, pág. 12.

[4] Chardin, Pierre T. O Fenômeno Humano. Edit. Cultrix, 1995, pág. 197.

[5] João 13,13.

[6] João, 10,30.

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